Maria Victória Martins ( Minha tia )
         O período de férias na casa de minha avó era especial por dois motivos, pela vinda de meus primos cariocas (filhos da tia Eli), o que significava brincadeiras, histórias em quadrinhos e companheirismo e também pela chegada de minha tia Victória que também morava no Rio de Janeiro. Quando minha avó dizia em tom solene “A Victória vai chegar na terça - feira” ficávamos ansiosos para que a terça chegasse logo.
         Tia Victória chegava à noitinha ou pela manhã, o táxi parava na rua de baixo e ela subia a escada de pedra que dava acesso a casa. Sempre muito elegante, vestia saia e blusa combinando, sandálias de salto baixo, um sóbrio casaquinho sobre a blusa. O charme de minha tia era o lenço elegantemente amarrado ao pescoço como se usava na Europa na década de 70. Unhas bem feitas, cabelo tratado, sobrancelhas bem desenhadas e uma maquiagem leve lhe emprestavam um ar de senhora da alta sociedade. No pulso delgado, trazia um pequeno relógio de ouro com pulseira de couro na discreta cor marrom. Ela caminhava com postura altiva e seguida pelo motorista de praça, pedia cuidado com a bagagem, nas mãos de minha tia uma elegante frasqueira de couro, que para mim vinha cheia de mistérios, a mala, também de couro de primeira, tinha a mesma cor da frasqueira. Ao se despedir do motorista dizia um “Obrigada cavalheiro” que eu na minha inocência de criança achava muito distinto para uma dama. Minha tia entrava em casa acompanhada pela alegria.
         Trazia para nós goiabinhas piraquê, latas de biscoitos importados para minha avó, bala toffer, balas softs que já eram uma aventura por si só, “cuidado para não se engasgarem com essas balas deliciosas” e piscava zombeteiramente. O Cheiro da colônia de alfazema, presente para minha avó, tomava o ambiente. Eu achava que ela era a mulher mais bonita e elegante que havia na cidade grande. Minha tia se recolhia para descansar da viagem e minha avó baixava a lei marcial do silêncio, meus primos e eu não deveríamos perturbar o descanso da tia, atendíamos.
         Quando acordava, tia Victória saía dançando pela casa como se estivesse em um baile do Municipal, vestida apenas de combinação, valsejava Straus pela cozinha, pela sala, pela copa... taran taran, taran taran, corríamos atrás rindo e no minuto seguinte ela já estava em um palco do Moulin Rouge dançando cancan... lálálá lálálá lálálá... Seguíamos hipnotizados e risonhos aquele espetáculo. Reuníamos-nos ao seu redor para ouvir a história das rainhas Ana Bolena e Maria Antonieta, ela contava com expressões e marcação teatral, quanta coisa ela sabia sobre reis e cortes! Quando terminava as histórias, ficava em silêncio, se levantava devagar, colocava uma expressão desvairada no rosto, desarrumava os cabelos, pegava a mão de minha prima mais nova e dizia:
- “Era meia – noite, a hora sinistra do crime...” Nesse momento o clima de suspense tomava a gente, ficávamos assustados com a transformação, ela então continuava:
-“Uma mulher desgrenhada, com uma faca na mão...” Gritávamos como loucos de medo e adrenalina, ela concluía:
-“Passava manteiga, no pão...” Explodíamos de gargalhada, minha avó vinha ver o que estava acontecendo e ralhava com ela: “Credo Victória! Você parece maluca gritando com essas crianças!”. Ela respondia: “Rir minha mãe, é o melhor remédio”.
         Minha tia era feita de antítese, era discreta e exagerada, sofisticada e humilde, tinha classe, mas também tinha o coração de uma camponesa. Com ela aprendi os “Pois não”, “Fique à vontade”, “Não tem de quê”, “Como quiser Doutor”, “Sim madame” e também aprendi que dar risada e dançar com criança é a melhor coisa. Tia Victória era culta e simples, era uma mulher feliz. Comigo há de ficar a impressão sinestésica dela, alfazema, goiabinha, bala soft, Strauss e Cancan. Consigo imaginá-la dizendo ao motorista em sua última jornada: “Obrigada cavalheiro”. Parte de minha infância se vai... Deixo aqui minha homenagem, como se fosse um abraço de despedida.

Luz

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