Seu Zé
         Primeiro dia de aula na Escola EMEIEF Dom Jorge Marcos de Oliveira, Rede Municipal, EJA (Educação de Jovens e Adultos). Entrei com meus materiais para começar a aula de Língua Inglesa na quinta série e ouvi claramente um senhor garboso e empertigado comentando muito nervoso.
- Não entendo porque temos de aprender Inglês, a gente nem sabe Português direito! Vou reclamar com o prefeito, assim não dá a gente precisa de mais aulas de Português e Matemática, pra quê aprender isso?
            Cumprimentei a sala, me apresentei e comecei a falar da disciplina, dos objetivos, da importância de se ter contato com uma língua estrangeira em tempos globalizados e por aí a fora... Seu Zé me interrompeu matreiro e indignado.
- Professora, a senhora me desculpe, mas eu não vejo utilidade nisso. A gente nunca que vai sair daqui, é um coisa inútil pra gente, não sabemos uma palavra nessa língua. Eu vou reclamar com a diretora que isso é perda de tempo.
            Percebi na irritação de seu Zé um misto de insegurança e medo, uma dificuldade de lidar com informações novas das quais ele não possuía domínio. Pensei, enquanto analisava que tipo de postura eu deveria tomar, era agora ou nunca. Ou eu conquistava a atenção de seu Zé ou eu perderia toda a atenção dos outros alunos. Paguei para ver e aceitei o embate.
- Muito bem seu Zé, o senhor me disse que não sabe nada de Inglês e que é algo inútil para nós. Vamos lá! O senhor para na barraquinha da porta da escola para comer o que?
- Ás vezes eu como um hot dog, mas não é sempre...
- Certo seu Zé, e aproveita para comprar essa bala que está na sua carteira, né? Que bala essa?
- É um Halls Lemon, eu só gosto desse que é de limão.
- Hummm... O senhor tem certeza mesmo que não usa o Inglês e que não conhece nenhuma palavra nesse idioma?
            Aproveitei o gancho para falar da formação dos idiomas, das semelhanças e diferenças e, sobretudo da importância de saber decodificar os sentidos das expressões e palavras. Abordei a globalização, a tecnologia as formas de lazer que necessitam de pelo menos um conhecimento básico do Inglês, como vídeo games por exemplo. Durante minhas duas aulas os olhos de seu Zé não paravam de brilhar. Ele interagiu, pronunciou, perguntou, escreveu e quando faltavam cinco minutos para o fim da aula seu Zé pediu a palavra com ar solene de quem faria um pronunciamento.
- Professora, gostei muito de sua explicação, foi tudo tão interessante que nem vi o tempo passar. Acho até que posso aprender alguma coisa de Inglês. Pena que são só duas aulas por semana, mas vou falar com o prefeito, vou reclamar com a diretora, a senhora precisa de mais algumas aulas pra ensinar a gente.

            Para mim as palavras de seu José foram afagos em meu coração de educadora, significaram que eu fiz o meu trabalho, consegui mostrar a importância de se desenvolver habilidades e competências, de ampliar horizontes, de mostrar que ainda é cedo, que temos todo tempo do mundo mesmo com um pouco mais de idade. Meus alunos aguardam as aulas de Inglês com animação e desejo de aprender.

Dalva

Comentários

Beatriz disse…
Boa noite!

Luzdalva S. Magi.

Meu nome é Beatriz Borges de Sousa sou acadêmica do Curso de Letras na PUC-GO, acabo de ler um artigo de sua autoria, publicado na revista Conhecimento Prático- Literatura. Estou escrevendo minha monografia a respeito do ensino da literatura, por meio das Literaturas em HQ'S, identifiquei com o projeto que você trabalhou com seus alunos. Gostaria de ver a possibilidade de fornece-me uma entrevista colaborando com minha tese.

E-mail: beatriz.b.sousa@hotmail.com

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